quarta-feira, 6 de março de 2013

Filipe, o evangelista

O capítulo 7 de Atos descreve o longo discurso de Estêvão. Tal discurso termina com uma sen­tença condenatória contra o Sinédrio e todos os demais que ali estavam (At 7:51-53). Esses não se arrependeram como deveriam, antes, enfurecidos, mataram Estêvão, fazendo dele o primeiro mártir da igreja. Lucas registra que no dia da morte de Estêvão foi levantada perseguição contra a igreja em Jerusalém, provocando uma grande dispersão, a qual levou à expansão da pregação da Palavra. Todos, com exceção dos apóstolos, foram disper­sos pelas regiões da Judéia e Samaria (At 8:1).

Apesar da violência instalada, homens piedosos correram sérios riscos ao darem um sepultamento apropriado a Estêvão, além de lamentarem publi­camente sua morte.

O que parecia uma ação fatídica contra a igreja, na verdade, impulsionou os discípulos a propagar o evangelho. Dentre os fugitivos, Lucas destaca Filipe, que saiu a proclamar a Palavra em Sama­ria e também no deserto. Vejamos como isso aconteceu.

FILIPE EVANGELIZA A CIDADE (At 8:4-13)

1. Compreendendo os bastidores

Havia uma hostilidade histórica entre os judeus e os samaritanos. Tal agressividade mútua começou com o fim da monarquia no século X a.C. (1Rs 12:1-20). Dez tribos desertaram e fizeram de Samaria a sua capital. As outras duas permaneceram leais a Jerusalém. Em 722 a.C, a Assíria capturou Samaria, deportou milhares de seus habitantes e repovoou o território das dez tribos com povos de várias nacionalidades (2Rs 17:24-28). Isso proporcionou o culto misto em solo samaritano (2Rs 17:29-41). Com a construção de um templo rival, no século IV, no monte Gerizim, e a rejeição do Antigo Testamento, exceto o Pentateuco, o cisma se consolidou de vez. Os judeus tachavam os samaritanos de híbridos, tanto na raça como na religião, além de hereges e cismáticos.

2. Filipe prega em uma região discriminada

Em virtude da perseguição em Jeru­salém, Filipe desceu a Samaria, mas não o fez impensadamente. Seu objetivo foi levar a mensagem do Evangelho, anunciando a Cristo (At 8:5), pois os samaritanos também esperavam o Messias (Jo 4:25). O resultado foi que "As multidões atendiam, unanimes, às coisas que Filipe dizia..." (At 8:6). A manifestação da graça de Deus veio em forma de mensagem, libertação e cura (At 8:6-7). Samaria se encon­trava sem direção do alto, cativa e doente, assim como as cidades modernas.

A ousadia de Filipe é impressionante! Ele começou a derrubar uma muralha que separava judeus e samaritanos com a pregação do evangelho.

Aí está uma grande lição para nós. Precisamos amar as pessoas, não importando quem são, e anunciar o evangelho, como Jesus, que pregava para prostitutas, leprosos e publicanos, figuras marginalizadas na sociedade de Seu tempo. E no nosso tempo, quais são as figuras que a sociedade rejeita? O que você e sua igreja têm feito por elas?

3. Filipe e Simão, o mago (At 8:9-13)

Antes de Filipe chegar, Samaria estava sob forte influência de um mágico chamado Simão. Ele enga­nava o povo e alegava ser muito importante (At 8:9). As pessoas foram tão iludidas que chegaram a dizer que era o poder de Deus, chamado o Grande Poder (At 8:10). O engano já havia fincado raízes, pois não era recente (At 8:11).

Filipe chegou e, proclamando desafiadoramente o evangelho, não deu importância a Simão. As boas novas do Evangelho levadas por Filipe obtiveram mais credibilida­de do que as ações do mago (At 8:12a). Homens e mulheres iam se convertendo e sendo batizados (At 8:12b). Até Simão desistiu de sua magia, abandonou a fraude e abraçou a fé, sendo batizado (At 8:13a). Nas palavras de John Stott: "ele, que extasiava outros, estava agora extasiado" (At 8:13b).

FILIPE EVANGELIZA O ETÍOPE (At 8:26-40)

Os acontecimentos que marcaram os versículos de 1 a 13 foram narrados em um contexto urbano onde as multidões ficam em evidência. Agora, depois de um trabalho bem-sucedido entre a massa popular, Filipe recebeu uma ordem bastante curiosa. O anjo do Senhor disse para ele descer a um caminho que se encontrava deserto (At 8:26). O evangelista obedeceu prontamente.

Quando Deus fala, por mais estranho que pareça, devemos obedecer sem questionar.

1. Filipe encontrou o etíope (At 8:27-29)

O homem que Filipe encontrou é alguém de destaque no cenário político da Etiópia daqueles dias: um tesoureiro ou ministro das finanças. Lucas diz que ele era alto oficial de Candace, rainha dos etíopes (At 8:27).Candace não era um nome pessoal, mas um título dinástico da rainha-mãe que exercia certas funções em nome do rei. Ele viera adorar em Jerusalém (At 8:27b). Isso pode significar que era judeu, ou por nascimento ou por conversão. Mas ele era eunuco e havia uma maldição em Deuteronômio 23:1 no que diz respeito à sua condição. Provavelmente, a promessa aos eunucos em Isaías 56:3-5 já tivesse superado a maldição de Deuteronômio. O seu desejo de conhecer as Escrituras é realçado pelo fato dele ler, apesar dos prováveis solavancos do carro (At 8:28), que devia ser uma espécie de carroça de bois. O Espírito Santo sabia do ávido desejo instalado no coração do eunuco, por isso disse a Filipe: "aproxima-te" (At 8:29).

2. Filipe anunciou as boas-novas ao etíope (At 8:30-35)

Obedecendo à ordem do Espírito Santo, Filipe se aproximou e ouviu o etíope lendo o profeta Isaías. Esse era um assunto com que Filipe estava bem familiarizado. Perguntou ao viajante se compreendia o que estava lendo (At 8:30). A resposta do eunuco foi bastante surpreendente e ao mesmo tempo comum (At 8:31). Surpreende-nos sua sinceridade em dizer que não entendia e que precisava de ajuda. Calvino ressalta a modéstia do etíope "que reconhece sua ignorância livre e abertamente" contrastando com uma pessoa "cheia de confiança em suas próprias capacidades". O que é bastante comum é o grande número de pessoas que não entendem as Escrituras e que precisam de alguém que as ensine. Se as que não compreendem, reconhecessem a necessidade de ajuda, a leitura das Escrituras haveria de frutificar mais em nossos dias. Diante do expresso pedido (At 8:34), Filipe anunciava a Jesus, a partir do texto que ele vinha lendo (At 8:35).

3. Filipe batizou o etíope (At 8:36-39)

O etíope entendeu a explicação de Filipe: o texto não falava a respeito de Isaías, mas do cordeiro de Deus que morreu para que os nossos pecados fossem perdoados. O eunuco res­pondeu à mensagem do evangelista com o desejo de ser batizado. O batismo é uma ordenança que Jesus deixou (Mt 28:19) e que simboliza nossa união com Cristo, através de Sua morte e ressurreição (Rm 6:3-4). Filipe, evidentemente, estava certo da profundidade e da solidez da decisão do etíope de ser batizado. Desceram às águas, e o alto oficial, agora cristão, foi batizado em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (At 8:39).

4. Filipe foi retirado da presença do etíope (At 8:39-40)

O verso 39 fala de outro acontecimento extraordinário. Logo depois que ambos saíram da água, está escrito que Filipe foi arrebatado pelo Espírito do Senhor e achou-se em Azoto. O eunuco seguiu seu caminho sem Filipe, mas foi acompanhado de Jesus e transbordando de contentamento (At 8:39b). Filipe não se estabeleceu em Azoto. Passou além e evangelizou as cidades que encontrou pelo caminho até chegar em Cesaréia (At 8:40). Ali, em algum momento, ele fixou residência (At 21:8).

No capítulo 8 de Atos, Lucas reuniu dois exemplos do trabalho evangelístico de Filipe:

 entre os samaritanos foi uma espécie de evangelização em massa, onde "as multidões atendiam, unânimes, às coisas que Filipe dizia";

 com o etíope, encontramos um exemplo de evangelização pessoal, no qual o discipulador e o discípulo sentam lado a lado com a Palavra de Deus aberta.

Em ambos os casos, apesar da diferença do público e do método, a essência da mensagem foi a mesma. Tanto na evangelização em massa como no evangelismo pessoal houve conversão, batismo e alegria. Precisamos pregar a mesma mensagem proclamada por Filipe com o fim de colher os mesmos resultados.